sexta-feira, 26 de março de 2010

fui ali comprar cigarros...e já volto...

2009/5/1
"Uma cidade do interior não tem hora de ponta/pico, como diz o artista plástico Egídio Rocci, SJC tem o "minuto de ponta/pico". É fácil verificarmos o quanto isso facilita a vida diária e a consequência disso é a já visível imigração dos paulistanos para SJC.Por outro lado, por maior que seja essa cidade ela fica com um "savoir faire" provinciano, e os seus meandros podem ser comparados às mesquinhezes que ocorrem numa cidade do tamanho de São Luíz do Paraitinga. Desculpável na última, face à falta de oportunidade e educação, imperdoável na primeira que se encontra a uma hora de São Paulo e de todas as oportunidades, sobrevoada por aviões, repleta de shoppings e engenheiros. São José dos Campos não é caipira, não é mineira apesar dos mineiros, não tem tradição tropeira e dizem que a tuberculose foi uma fraude. Ela é a capital do Vale do Paraiba e tem um aeroporto, ela é uma cidade aérea! As pessoas optam por não nascer nem morrer aqui. Passam uma longa temporada e piram-se.
É na ausência que eu vejo o problema. Não no facto de nunca ter estado, mas no momento em que decide ausentar-se, explorar novos caminhos… comprar cigarros. Chega um momento que ele ou ela é compelido a sair e a volta torna-se para sempre complicada. Porque a partir daquele momento a cidade desenlaça o abraço. O nó que apertava a ligação de um ente ao outro era o momento de estudo (preparação) ou produção (trabalho), quando a ligação enfraquece tudo perde o sentido e é como se jamais estivem estado aqui.
Ouço por vezes, o grafiteiro Thiago Mild expressar-se com carinho sobre SJC apesar da raiva que também nutre pela limpeza que a politica cultural joseense exige. Diz-se caipira, joseense, rapaz do interior sempre que se encontra em São Paulo, e no ar permanece o eco que questiona o verdadeiro valor destas palavras. Thiago de caipira não tem nada, basta vir a São Luíz, não é o "r" enrolado que o diferencia de São Paulo onde os "r" também andam aos rodopios pela boca adentro. Olho para o rapaz de 20 anos e vejo a sua necessidade de sair e correr atrás do mundo, com a preocupação de não deixar cair o abraço, porque sabe instintivamente que a cidade esquece. E que apesar de não fumar, dez minutos depois todos pensarão que fez o mesmo de sempre: foi ali, disse que já vinha e não volta mais."
Celia Barros (artista plástica/Portugal)
(...)
2/5/09
"Será São José dos Campos a terra de nínguém?Quando li o texto da Celia fiquei pensando nisso. Ai me veio na cabeça uma reportagem que lí muito tempo atrás a respeito da Itália. Dizia a reportagem que na Italia em algumas dezenas de anos não haverão mais italianos. Com taxa de natalidade muito baixa, e se não me engano negativa, somado com uma migração legal e principalmente ilegal de estrangeiros, que procuram ali um espaço para se viver, a Itália hoje busca soluções para o problema através de leis mais rígidas de controle de imigração e de incentivos para aumentar a taxa de natalidade .Mais o que São José tem haver com tudo isso?O fato é que me parece cada vez mais encontrar na cidade menos joseenses. Obviamente as razões são bem diferentes da Itália. Aqui por exemplo se nasce mais do que se morre.São José dos Campos vive outros problemas.Como a própria Celia mencionou as pessoas procuram outros limítes pois a natureza que motiva a permanencia é da ordem familiar e da ordem do trabalho. O mundo globalizado informa e motiva o indivíduo a ampliar suas fronteiras.Assim não tem nada que segure mesmo.O cara espirra.....Na questão dos " estrangeiros" que vem pra cá ( paulistas e o mundo inteiro) basicamente o que os trazem aqui é o trabalho, que absorve grande parte do tempo destas pessoas, que nos momentos de lazer procuram a família em outras cidades, São Paulo que oferece todo o tipo de entretenimento, do mais banal ao mais erudito e refinado, ou os shoppings, os hipermercados e os parques de nossa cidade. Quando nenhum deste serve, resta ficar em casa, na proteção das paredes que a edificam e dos muros monitorados que formam esta infinidade de ilhas urbanas que são os incontáveis condominíos fechados e talvez numa menor escala os edifícios.Mas sou joseense e sei que não sou o único. E sei de muitos também que foram criando suas raizes por aqui. Talvez raizes mais delgadas e frágeis, mas que com um pouco de adubo e água (CULTURA) podem se fortalecer.Tenho um carinho muito grande por este lugar apesar dos seus inúmeros problemas , principalmente da ordem cultural. Ai me pergunto: O que me resta a fazer diante desta consciência e destes fatos que provavelmente muitos não sabem , não querem saber e tem raiva de quem sabe?Nada?Posso parecer autoritário em achar que devemos lutar em prol de um terrítorio baseados no modo que vemos e constatamos os fatos, e que acreditamos que tudo isso precisa mudar, mas prefiro correr este risco que ficar esperando e torcendo para que as coisas caminhem melhor.Tenho pensado muito o meu trabalho numa abordagem mais crítica e contundente à situações que vivemos em nossa cidade, e penso que esta é uma das melhores formas de contribuir para um mundo, não sei se melhor , mas com certeza diferente.Não sou em absoluto contra o ir e vir de qualquer um por qualquer motivo, nem tão pouco tenho xenofobia, só penso que quando optamos por um território devemos cuidar dele com muito carinho , adubando e aguando sempre para que as flores e os frutos apareçam."
Giancarlo Ragonese (artista plástico)
http://nucleosjc.blogspot.com/2007/09/giancarlo-ragonese.html
(...)
"Achei interessante sua perspectiva desde o ponto de vista joseense. Alguém que vê o seu território sendo alagado sistematicamente por rios económicos impregnados de gente. Água parada, que a terra não absorveu. Gente sem raízes, ou melhor, com as raízes noutro lugar, pisa sem ver as raízes da terra onde está. Daí as dificuldades de ter público em qualquer evento cultural na cidade. Queria também ressaltar, que sinto falta de um abraço dos que estão. Inclusive da classe artística. Já por aqui passou muita gente, e por mais que tenham feito ou desfeito, depois que morrem, ou espirram como tu disseste, simplesmente são esquecidos, ou recordados momentaneamente com um sorriso nos lábios. Um sorriso que julgo irónico e não percebo porquê.Lembro-me da Mónica Nader, do Johann Gutlich, Fiaminghi, Célia Euvaldo… cadê a memória dessa gente?Não penso que a solução esteja apenas no museu que não existe.Cadê o abraço dos artistas?Desde que saí de Portugal, já saíram dois artigos sobre o meu trabalho no jornal da cidade onde cursei durante 3 anos a faculdade. Nunca mais voltei, nem eu nem outros, mas isso é um assunto que interessa à cidade. Isso acontece com quase todos os que saíram da cidade ou da faculdade.Também não quero dizer que a culpa está simplesmente no Vale Paraibano.Ás vezes olho para o George, para o Gian, para o Thiago e penso… depois de tanto, o dia em que saíres daqui simplesmente não existirás."
Celia Barros (artista plástica/Portugal)
http://celiabarros.blogspot.com/

obs: nunca postei só txt nesse blog, mas relendo esta discussão achei conveniente
arquivá-lo aqui... é um assunto interessante em relação a realidade que não só eu,
mas outros artistas daqui passam.

abraçao
mild

3 comentários:

FábioCaiana disse...

a velha e necessária discussão!

mild disse...

siempre,
...
vamos-nos embora

Thiago Malucão disse...

saudade duce mano. aparece!

Quem sou eu

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2 def. Mild: rabiscou todos os papéis e paredes da sua casa na infância e na adolescência esses rabiscos foram para os muros do seu bairro através de graffitis. Designer gráfico de formação, prefere o termo artista gráfico.Colaborou com o coletivo de arte contemporânea NÚCLEO, que visa ampliar o espaço artístico no Vale do Paraíba. Estudou pintura e ilustração na Quanta Academia de Artes, é co-idealizador do APENERA. 1 def. ThiagoCosta, ou "mild" mesmo. Nasceu em 88 no Vale do Paraiba. Iniciou sua "vidaprofissional" aos 16 anos como entregador de panfletos do ateliê de desenho do bairro onde morava. Passou por vários tipos de trabalhos dentre eles: estagiário de estoquista, vendedor de calçados em shopping, garçom de bar, fotocopiador, operador de impressão digital, arte-finalista para off-set,auxiliar de montagem de adesivos, pintor de paredes, arte-educador e até artista plástico! (...) Em 2007 formou-se em Design Grafico.Em 2008 estudou Pintura e Ilustração na Quanta Academia de Artes.

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